No
final de 2008 Michael Staley fez uma palestra (An Introduction to the
Work of Kenneth Grant - Uma Introdução à Obra de Kenneth Grant)
focando a Obra de Grant como expresso nas Trilogias Tifonianas.
Esta foi uma palestra introdutória que estabeleceu as bases para uma
série de palestras durante 2009, que se concentraram mais de perto
sobre os elementos específicos de sua obra.
Essa
pesquisa introdutória do trabalho Kenneth Grant foi publicada pela
primeira vez em Starfire Vol 2, nº 4.
Cintilações em
Malva
Uma Introdução
à Obra de Kenneth Grant
Kenneth
Grant foi um dos ocultistas mais influentes do Século 20. Ele deixa
para trás um corpo substancial e formidável de trabalho que vai ser
explorado e desenvolvido ao longo dos próximos anos. O que se segue
aqui é um estudo introdutório de sua obra - uma base para a
consideração mais profunda, mais substancial de seu trabalho no
futuro.
Nascido
em Essex em 1924, Kenneth Grant desenvolveu um intenso interesse pelo
oculto desde tenra idade, bem como uma devoção ao longo da vida ao
Budismo e outras religiões orientais. Ele comentou em algum lugar de
seus escritos que o misticismo oriental foi seu primeiro amor –
uma indicação não só de quão bem versado ele foi, mas talvez
mais importante ainda, seu elevado sentido do imanente. Grant relata
em Outside
the Circles of Time
como havia se deparado com uma cópia de Magick
in Theory and Practice —
na em Zwemmers, na Charing Cross Road –
no final dos anos 30 ou início dos 40. Neste período, ele também
tinha descoberto The
Book of Pleasure de
Austin Osman Spare
na Atlantis
Bookshop de Michael Houghton na Museum Street..
Após mergulhar nas obras de Crowley, finalmente conseguiu fazer
contato com ele em 1944, escrevendo para o endereço fornecido no The
Book of Thoth
que acabara de ser publicado. Visitando-o várias vezes, Grant
posteriormente ficou com ele em ‘Netherwood’
em Hastings em 1945, imerso em Magia. Muitos anos depois, Grant
escreveu um livro de memórias deste período de sua vida,
Remembering
Aleister Crowley.
É evidente que a partir de observações em seus diários e em
outros lugares, que Crowley desenvolveu uma grande estima por Grant,
vendo nele o potencial para se tornar um futuro líder da O.T.O..
Foi
nessa época que Grant se encontrou pela primeira vez com o desenho
de Lam feito por Crowley, ou “O Lama” como Crowley se referia
a ele. Tendo oferecido a Grant um desenho de seu portfólio, ele
ficou inicialmente hesitante quando Grant selecionou o desenho –
ou, como Kenneth apontou,
Lam o escolheu. Eventualmente, ele transmitiu o desenho a Grant após
um ataque de asma extremamente ruim o qual Grant ajudou a aliviar ao
correr para o médico de Crowley a fim de conseguir heroína.
Crowley se referiu a este incidente em seu diário de 08 de Maio de
1945: “Aussik ajudou bastante; dei-lhe ‘O
Lama’ …” O desenho foi posteriormente reproduzido
em The Magical Revival e Outside the Circles of Time, e
passou a ocupar um papel cada vez mais proeminente no corpo de
desenvolvimento do trabalho de Grant.
Após
a morte de Crowley, em dezembro de 1947, Kenneth e Steffi Grant
estavam entre os presentes no funeral de Crowley, e foram
posteriormente membros do pequeno círculo que se esforçou para
manter a memória de Crowley e seu trabalho vivo. Crowley nomeou Karl
Germer – então vivendo nos EUA – como seu sucessor, e sua
Vontade estipulou que seus documentos deveriam ser enviados para
Germer. Preocupado que deveria haver cópias dos documentos mais
importantes no caso de alguma coisa acontecer a eles enquanto em
trânsito, Grant e, posteriormente, Gerald Yorke resolveram fazer
cópias datilografadas daqueles que consideraram de importância
particular. E foi bom que assim fizessem, uma vez que a coleção de
documentos de Germer foi roubada de sua viúva Sascha em 1967 por
membros da Loja Solar e, posteriormente, destruída em um incêndio.
As cópias datilografadas feitas por Grant, Yorke e outros formaram a
base do arquivo que Yorke mais tarde passou para o Instituto Warburg
da Universidade de Londres, e que continua a ser acessível a
pesquisadores.
Durante
o final dos anos 1940 e início dos anos 1950, um pequeno círculo de
ocultistas se reuniu em torno dos Grant, desenvolvendo como o núcleo
de um grupo de trabalho. Germer tinha patenteado Grant em 1951 para
formar um ‘Capítulo’
da O.T.O. Fora desta desenvolveram a New Isis Lodge como uma célula
dependente da O.T.O., com uma estrutura de graus e programa de
trabalho que foi influenciado pela Astrum Argenteum de
Crowley, bem como pela O.T.O. como era nos dias de Crowley. A relação
com David Curwen foi fundamental
para Grant obter uma cópia de um comentário de um
adepto Kaula sobre um texto tântrico, o Anandalahari. Este
comentário deu importantes ‘insight’
sobre a magia sexual tântrica, aproximando a magia sexual de uma
direção muito diferente daquela de Crowley. A abordagem de Crowley
é basicamente solar-fálica, para não dizer falocentrica; há
grande ênfase na importância das energias sexuais masculinas, mas
muito pouco sobre as energias femininas. Muitas vezes, a parceira é
considerada como pouco mais do que um copo no qual o magista
verte o seu bindu. O texto Kaula abordava o assunto de
uma perspectiva diferente, acentuando o papel dos kalas e como
eles variam ao longo do ciclo menstrual.
No
lançamento formal da Loja, em 1955, os Grant emitiram um Manifesto
da New Isis Lodge no qual eles falaram da descoberta de um
planeta além de Plutão, o Ísis transplutônico, e o que isto
poderia significar para a evolução da consciência neste planeta:
Uma
nova e convincente influência está envolvendo a Terra e como ainda
há poucas pessoas que estão abertas ao influxo das vibrações
sutis dessa influência.
Seus
raios procedem de uma fonte ainda inexplorada por aqueles que não
estão em harmonia com ele em essência e em espírito, e que
encontra seu foco presente no universo exterior no transplutônico
planeta Ísis.
No
íntimo do homem, também, esta influência tem um centro que
começará lentamente a se agitar na humanidade como um todo conforme
a influência se fortalece e floresce. Como ela está no início de
seu curso em relação ao homem, no entanto, muitos séculos passarão
antes que ele possa valer-se totalmente das grandes potências e
energias que essa influência está silenciosamente e continuamente
concedendo a todos os que sabem identificar o núcleo interno do seu
ser com seus corações profundos e inescrutáveis.
É
certamente óbvio que os Grants não estavam falando sobre a
descoberta de um planeta físico; tal descoberta poderia ter sido
mais relevante para uma revista astronômica. Se tivermos em mente
que a Primeira Sephira, Kether, é atribuída a Plutão, então um
planeta transplutônico seria ‘Um
Além do Dez’,
o Grande Exterior. Grant expressou isso, desse modo, alguns anos mais
tarde, em Aleister Crowley and Hidden God:
Em O
Livro da Lei,
a deusa Nuit exclama: “Meu
número é onze, conforme todos seus números que são nossos”,
que é uma alusão direta à A\A\ou
Ordem da Estrela de Prata, e seu sistema de Graus. Nuit é o Grande
Exterior, representada fisicamente como “Infinite
Space and the Infinite Stars thereof”
- isto é, I s i s.
Nuit e Isis são assim identificadas no Livro
da Lei.
Isis é o espaço terrestre, iluminada pelas estrelas. Nuit é o
exterior, ou espaço infinito, a escuridão eterna que é a fonte
secreta da Luz; Ela é também, em um sentido místico, o
Espaço Interior e o Vasto Intimo.
Germer
havia uma vez, como Crowley, considerado Grant como potencialmente um
futuro líder da O.T.O. (ver, neste contexto, os extratos de suas
cartas à Grant, publicadas no artigo ‘It’s
an Ill Wind That Bloweth’
em Starfire Volume I
nº 5, Londres, 1994). No entanto, ele estava essencialmente
descontente com alguém que se desviava da linha que, após a morte
de Crowley, a única coisa a fazer era simplesmente preservar e
promover o trabalho de Crowley. Além disso, ele também não ficou
feliz quando Grant se recusou a recolher dinheiro dos membros da sua
Lodge. Ele ficou ainda mais irritado ao saber que Grant tinha formado
conexões com Eugen Grosche, um antigo adversário de Germer da
Alemanha na década de 1920. Ele exigiu que Grant retratasse seu
Manifesto; quando ele recusou, Germer emitiu uma Nota de Expulsão.
Grant simplesmente ignorou a expulsão e continuou com a New Isis
Lodge como uma loja dependente da O.T.O.,
confiante de que seu trabalho mágico lhe permitia fazer a conexão
direta com a corrente mágica no centro da O.T.O., assim substituindo
a autoridade de Germer e tornando a expulsão irrelevante. Esta
confiança na sua posição como sucessor de Crowley se reforçou ao
longo dos anos subseqüentes com o desenvolvimento de sua obra mágica
e mística.
A
New Isis Lodge tinha um programa de trabalho que começou em 1955 e
foi concluído em 1962, embora a Loja continuasse a operar até
meados de1960. O desenvolvimento de algumas técnicas mágicas
interessantes e inovadoras, um relato de alguns de seus trabalhos é
dado em Hecate’s
Fountain, escrito no início
dos anos 80, mas não publicado antes de dez anos mais tarde. As
experiências de Grant na New Isis Lodge foram a base para seu
trabalho subsequente, talvez mais aparente nos volumes posteriores
das Trilogias com a publicação de duas das transmissões reificadas
durante o curso de Funcionamento da Lodge. Uma dessas transmissões
foi a requintada e delicada Wisdom
of S’lba (Sabedoria de
S'lba) que foi incorporada no sétimo volume das Trilogias, Outer
Gateways, publicado em 1994.
O outro foi The Book of
the Spider (O
Livro da Aranha), em torno do
qual Grant teceu seu volume final das Trilogias, The
Ninth Arch (2002).
A
New Isis Lodge não é muito
mencionada nos primeiros livros de Grant. Tenho a impressão de que,
embora o trabalho realizado na Lodge fosse formativo para Grant –
a fundação de seu posterior corpo de trabalho – por
isso mesmo isto é a percepção cumulativa destilada ao longo de
sucessivos anos
que permitiu Grant entender plenamente as realizações daqueles anos
anteriores, e de levar o trabalho para outro nível. O potencial
desses anos veio a ser concretizado muitos anos após a Loja ter
cessado seu trabalho. Lembro-me
dele comentando comigo no início dos anos 90 que ele tinha
recentemente se deparado com material de arquivo que havia sido
guardado por muitos anos, e que ao passar por isso novamente uma
fresca corrente de iniciação havia sido deflagrada.
No
decorrer dos anos de 1959 a 1963,
os Grants produziram uma série de monografias, as Carfax
Monographs, cada uma sobre um
assunto diferente. Anos mais tarde, em 1989, estas foram reeditados
num só volume como Hidden
Lore. Mais recentemente, elas
foram republicados, desta vez com material adicional, como Hidden
Lore, Hermetic Glyphs
(Fulgur, 2006).
Uma
das influências mais importantes sobre Kenneth Grant foi Spare.
Em 1949 ele e
sua esposa Steffi conheceram o artista e escritor ocultista. Eles
permaneceram amigos até a morte de Spare em 1956, apoiando-o com
alguns fundamentos essenciais da vida, bem como materiais para seu
trabalho artístico, e
esse contato desencadeou um renascimento no trabalho de Spare.
Grant tinha há algum
tempo tomado um vivo interesse na magia e misticismo de Spare, assim
como em sua arte, e em especial
nos sistemas de sigilos que Spare tinha apresentado em The
Book of Pleasure (O
Livro do Prazer),
publicado pela primeira vez em 1913. Fora exceções notáveis, como
o desenho de 1928 “Teurgia” não obstante, os sigilos estavam
geralmente ausentes do trabalho de Spare depois da Primeira Guerra
Mundial, e ele confessou a Grant que ao longo dos anos, ele tinha
esquecido os princípios subjacentes ao sistema. Estimulado pelo
interesse e entusiasmo de Grant, Spare aplicou-se a recuperar esses
princípios, e os sigilos ressurgiram em muitos de seus desenhos e
pinturas dos anos 40 e 50. O
resultado dos último poucos anos de sua vida foi uma espécie de
renascimento para Spare, um florescimento tardio.
Este
renascimento incluiu o trabalho escrito, que Grant datilografou para
ele, no processo de fornecimento de críticas e comentários, e
insistindo na
elucidação onde ela parecia benéfica.
Muito deste trabalho final foi posteriormente publicado pelos Grants
em Zos Speaks!
(Fulgur, 1998), junto com cartas e extratos diários que documentam
seu tempo com Spare, bem como reproduções de obras de arte de
Spare. Em sua morte, Spare legou a Kenneth seus manuscritos,
originais datilografados, e livros. Incansável na promoção do
trabalho de Spare ao longo dos anos subseqüentes, em 1975 os Grants
publicaram o belo Images
& Oracles of Austin Osman Spare
(Muller, 1975; Fulgur, 2003), introduzindo seu trabalho – escrito
e artístico – para um novo público. O renascimento do interesse
em Spare nos últimos anos deve muito ao seus esforços.
Como
Spare, em toda a sua obra Grant enfatizou a supremacia da imaginação.
Longe de ser mero capricho ou fantasia, isto é de fato o principal
meio para encontrar e explorar o universo e nosso relacionamento com
ele. O trabalho de Grant é essencialmente dirigido à imaginação,
soando ecos na consciência do leitor de sua obra. Como já vimos,
Grant descreveu o Misticismo Oriental como seu primeiro amor, e
durante os anos 50, ele mergulhou no Advaita Vedanta – a
realização de que a consciência
é indivisível – escrevendo uma série de artigos para revistas
asiáticas, posteriormente coletados e publicados muitos anos depois
como At the Feet of the
Guru (Starfire Publishing,
2006). Embora muitas vezes pensado como um culto que glorifica a
individualidade, Thelema é, de fato enraizada neste solo, tendo
muito em comum com o Taoísmo.
Com
John Symonds, executor literário de Crowley, Grant editou a
expansiva e turbulenta autobiografia de Crowley, The
Confessions (Cabo, 1969).
Isto desempenhou um papel importante em trazer o trabalho de Crowley
à atenção popular. Symonds e Grant construíram sobre isso,
continuando a editar e publicar outros trabalhos de Crowley ao longo
dos anos 70, especialmente The
Magical Record of the Beast 666 (Duckworth,
1972) – uma seleção dos diários de Crowley – e Magical
and Philosophical Commentaries on the Book of the Law
(93 Publishing, 1974).
Ao
longo dos anos, Kenneth Grant criou seu próprio corpo de trabalho, e
em um artigo sobre o trabalho de Crowley – “Love
Under Will”,
publicado na International
Times
durante 1969 – ele se referiu a um estudo seu que estava aguardando
publicação, intitulada Aleister
Crowley and the Hidden God.
Sua editora, Muller, posteriormente, pediu-lhe para dividir o
trabalho em dois volumes, o primeiro dos quais foi publicado em 1972
como The
Magical Revival.
O segundo, emitido sob o título original Aleister
Crowley and the Hidden God,
em seguida no ano de 1973. Este foi o início das Trilogia Tifoniana,
o nono e último volume da qual, The
Ninth Arch,
foi publicado em 2002 pela Starfire Publishing. Estes volumes
compreendem um corpo substancial de trabalho que, embora eclético e
abrangendo vastas áreas de magia e misticismo, está firmemente
enraizado em Thelema. No decorrer deste trabalho, Grant levou Thelema
à áreas para além do que muitas vezes são considerados os limites
de trabalho de Crowley, no processo destacando a universalidade de
Thelema e suas afinidades com uma ampla gama de tradições e
disciplinas. O que se segue é um breve resumo de cada um dos volumes
da Trilogia, ao longo do caminho, alguns temas serão destacados.
The
Magical Revival (Muller, 1972;
Starfire Publishing, 2009) foi um estudo e análise de uma variedade
de tradições ocultistas que sobreviveram durante milhares de anos,
e que estão agora a reviver em novas formas e com um renovado vigor.
Em particular, a gênese e o desenvolvimento do Culto Draconiano ao
longo das dinastias egípcias foi traçado, e contra este pano de
fundo mais antigo foram examinadas as manifestações mais modernas,
como Blavatsky, Crowley, a Golden Dawn, Dion Fortune, e Spare. Foi
demonstrado que, embora essas sejam manifestações recentes, elas
estão enraizadas na corrente mágica consideravelmente mais velha
que tem nutrido e sustentado todas as florescências subsequentes.
Incluído como uma lâmina no livro estava uma reprodução do
desenho de Lam feito por Crowley, a primeira vez que tinha sido
publicado desde a sua aparição original em The
Blue Equinox em 1919.
No
capítulo ‘Nomes
Bárbaros de Evocação’,
Grant adiantou a noção de similaridades entre os elementos dos
Mitos de Cthulhu como elaborado na ficção de Lovecraft, e aspectos
do trabalho de Crowley. Isto sugeriu que eles se basearam em
arquétipos semelhantes no inconsciente coletivo. Em seu trabalho
posterior, Grant algumas vezes jogou com o panteão de deidades, mas
isso nunca sugeriu que as deidades eram reais, ou que deveriam ser
adoradas.
Este
foi sucedido pelo segundo volume, Aleister
Crowley and the Hidden God
(Muller, 1973). Que foi um estudo mais especificamente do
sistema de Crowley de magia sexual, amplificado por uma consideração
sobre o comentário Kaula acima referido. Grant resumiu o livro como
se segue:
Este livro contém um
estudo crítico do sistema de Aleister Crowley de magia sexual e suas
afinidades com os antigos ritos Tântricos de Kali, a deusa negra de
sangue e dissolução representada no Culto de Crowley como a Mulher
Escarlate. É uma tentativa de fornecer uma chave para o trabalho de
um Adepto, cujo vasto conhecimento do ocultismo era insuperável por
qualquer autoridade Ocidental anterior. Tenho enfatizado a
semelhança entre o Culto de Thelema de Crowley e o Tantra porque a
atual onda de interesse no Sistema Tântrico faz com que seja
provável que os leitores sejam capazes de avaliar mais
detalhadamente a importância da contribuição de Crowley para o
ocultismo em geral e para o Caminho Mágico em particular .
Houve também um capítulo sobre
‘Nu-Isis
and the Radiance Beyond Space’,
em que Grant se refere à New Isis Lodge e seu programa de trabalho.
O
terceiro volume, Cults of the
Shadow (Muller, 1975), explorou os aspectos
obscuros do ocultismo que são frequentemente vistos negativamente
como “magia negra”, o “caminho da mão esquerda”, etc. O
impulso deste livro é apresentado no parágrafos que abre a
Introdução:
Este livro explica os
aspectos do ocultismo que muitas vezes são confundidos com ‘magia
negra’.
Seu objetivo é restaurar o Caminho da Mão Esquerda e reinterpretar
seus fenômenos à luz de algumas das suas manifestações mais
recentes. Isso não pode ser alcançado sem uma pesquisa de cultos
primitivos e a fórmula simbólica que eles depositaram. Não existe
campo mais rico para uma pesquisa dessa natureza e nem mais perfeito
que um esqueleto sobre o qual encontrar isto que os sistemas de
Fetiche da África Ocidental e sua florescência em pré-monumentais
cultos Egípcios. Um tal exame é apresentado nos primeiros três
capítulos, após o que os símbolos emergem para a luz de tempos
históricos e aparecem sob a forma da Corrente Tântrica explicado
nos Capítulos Quatro e Cinco.
Esta Corrente parece
divergir em dois fluxos principais que refletem indefinidamente a
divisão original entre os devotos dos princípios criativos feminino
e masculino conhecidos tecnicamente no Tantra como o Caminho da Mão
Esquerda e Caminho da Mão Direita. Eles são da Lua e do Sol, e sua
confluência desperta a Serpente de Fogo (Kundalini),
o Grande Poder da Magick que ilumina o caminho escondido entre eles –
o Caminho do Meio – o caminho da Suprema Iluminação.
É o quase fracasso
universal em compreender o funcionamento adequado do Caminho da Mão
Esquerda que levou à sua depreciação – principalmente por conta
de suas práticas não convencionais – e uma realização
imperfeita dos Mistérios finais por parte daqueles que são
incapazes de sintetizar os dois.
De
particular interesse é um capítulo sobre o trabalho de Frater Achad
(Charles Stansfield Jones) e o Æon de Maat, no qual Grant teve uma
visão um tanto cética em relação a alegações de Frater Achad do
alvorecer do Æon de Maat. Posteriormente, como podemos ver, Grant
chegou a rever suas opiniões. O livro também contém capítulos
sobre a obra de Michael Bertiaux, introduzindo Bertiaux a um público
novo e levando a um aumento do interesse em seu trabalho.
A
segunda Trilogia abriu com Nightside
of Eden (Muller,
1977). No cerne deste está uma exploração dos Túneis de Set, que
subjazem nos caminhos da Árvore da Vida. O trabalho de Grant foi
baseado inicialmente sobre um breve e obscuro trabalho feito por
Crowley,
Liber 231,
publicado pela primeira vez no The
Equinox.
Este
Liber consiste em sigilos dos gênios das 22 escalas da Serpente,
aqueles das 22 células das Qliphoth, e alguns oráculos obscuros;
isso evidentemente fascinou Grant, e a exploração dessas células
das Qliphoth formaram um elemento importante do trabalho da New Isis
Lodge.
Grant
foi criticado em alguns setores por trabalhar com o que alguns
consideram como aspectos maus e avessos de magia. Contudo, os
aspectos mais escuros da experiência são tão necessários em
compreender quanto os aspectos mais claros; uma compreensão de ambos
é necessário. A seguinte passagem da Introdução à Nightside
of Eden
aborda este assunto:
Isso me leva ao ponto
final: A menos que o ocultismo se torne criativo no sentido de se
abrir a novas abordagens, modificando e desenvolvendo conceitos
tradicionais e comumente revelando um pouco mais daquela Deusa
Suprema, cuja identidade está escondida por trás do véu de Ísis,
Kali, Nuit, ou Sothis, haverá estagnação no pântano de crenças
tornadas inertes pela recente repentina aceleração da consciência
da humanidade, que é quase aquém de miraculoso. Se a ciência do
imanifesto não é permanente aterrada em um estágio pré-púbere,
enquanto as ciências manifestadas sobem para o espaço, o ocultista
maduro deve deixar de lado os brinquedos de superstição e enfrentar
sem medo as Árvores da Eternidade, cujos troncos e ramos brilham com
o fogo solar, mas cujas raízes são alimentadas na escuridão.
Embora
esta passagem se refira especificamente ao Nightside
of Eden, o caso aqui
articulado de inovação e criatividade se aplica ao trabalho de
Grant como um todo.
Ao longo do livro há várias
referências ao Æon de Maat, fica claro que Grant
tinha a essa altura revisto sua opinião anterior, um tanto cética,
desse aspecto do trabalho de Achad. Na verdade, ele tinha por
este tempo recebido o material de Margaret Ingalls (Soror Andahadna)
que o levou a reavaliar o trabalho Achad sobre a entrada em 1948 de
outro Æon que corre ao lado do Æon de Horus, os dois æons
constituem uma dupla corrente.
Em
1980 Grant publicou Outside
the Circles of Time (Muller,
1980; Starfire Publishing, 2008), um trabalho que abrange uma área
extremamente vasta e expõe, para citar a sinopse de capa: “uma
rede mais complexa do que se imaginava: uma rede não muito diferente
da visão sombria HP Lovecraft de forças sinistras que espreitam na
borda do universo”. Há muitos fios tecidos em uma rica e
deslumbrante textura, um fio principal sendo a não-dualidade:
O
mundo fenomenal não tem existência real para além da sua fonte
noumenal. O mundo não está à procura de alguém, o mundo não sabe
nada de ninguém, mas as pessoas estão procurando o mundo e estão
fracassando em encontrá-lo, porque elas são o mundo e estão
realmente procurando por si mesmas. Mas porque elas não são
refinadas, não são sutis, não são silenciosas, porque elas são
brutas e cheias de ruídos, o mundo aparece-lhes também como
grosseiro e cheio de ruídos. Elas são identificadas com estas
qualidades, elas são as qualidades, e, portanto, não podem
controlá-las.
Somente
através do refinamento do bruto para o sutil, do mundo do objeto
para o mundo do sujeito, do mundo de vigília para o mundo do sonho,
só assim pode ser encontrada a chave do poder “oculto”. Pode ser
encontrado apenas em silêncio total, quando a mente tenha deixado de
pensar, quando a boca tenha cessado de falar, quando o olho tenha
cessado a projeção de imagens. Só então a fórmula do sonho
controlado conduz para o despertar total da ilusão de viver.
É, portanto,
necessário se habituar à ideia, viver perpetuamente com a idéia,
que a totalidade da vida de um indivíduo – tudo o que pode ser
lembrado dela – foi composta pelo indivíduo como uma peça de
teatro é composta por um dramaturgo. É uma invenção, um lila,
uma máscara ou dança
no qual o indivíduo é o único ator, e até mesmo este ator é
apenas uma figura no jogo. Ele não é real; nenhum objeto pode ser
real, pois não há absolutamente coisa
nenhuma. Nenhuma coisa é Nuit, e ela não é uma coisa precisamente
neste sentido particular de um jogo de poder (shakti)
evoluindo um drama sem fim de luz e sombra que aparece para a
entidade como sujeito e objeto. Mas a objetividade é um sonho, pois
ali não há sujeito, nenhum sonhador; há apenas um sonhando. É
somente quando essa verdade é profundamente percebida que o sonho é
resolvido em sua origem, que é o bindu
conhecido como Hadit, no coração de Nuit ...
Hadit se dissolve em
Nuit, alguma coisa em coisa alguma, objeto em sujeito, e sujeito –
finalmente – naquela subjetividade absoluta que, sendo livre de
ambos objetividade e subjetividade, permanece indescritível.
O
livro é mais famoso, talvez, por destacar a obra de Soror Andahadna,
uma sacerdotisa contemporânea de Maat, cujo trabalho tinha paralelos
com a obra de Frater Achad várias décadas antes. Muitos Thelemitas
têm problemas com o Æon de Maat. Tanto quanto eles concebem, cada
Æon dura 2.000 anos, estamos nos inícios do Æon de Horus, então
Maat é um caminho ainda distante. Eles vão ecoar a réplica famosa
de Crowley para o jovem Grant: “Maat pode esperar!”. No entanto,
a seguinte passagem de Outside
the Circles of Time coloca a
questão de forma muito mais interessante:
Mitos e lendas são do
passado, mas Maat não deve ser pensada em termos de æons
passados ou futuros. Maat está presente agora para aqueles que,
conhecendo os ‘alinhamentos
sagrados’,
e ‘os
Portais de Intervalo Interior’,
experimentam a Palavra sempre chegando, sempre emanando, da Boca, nas
sempre novas e sempre presentes formas que estão continuamente sendo
geradas a partir do místico Atu ou Casa de Maat, a Ma-atu ...
Mas
o livro é sobre muito mais. É uma potente tecelagem de uma série
de linhas aparentemente diversas em uma única, larga e potente
corrente. Apesar dos livros de Grant serem cada um diferente de seus
antecessores, Outside
the Circles of Time pareceu
anunciar um salto para uma dimensão diferente.
Outside
the Circles of Time foi o
último dos livros de Grant publicados pela Muller, e houve uma pausa
de 12 anos até 1992, quando a Skoob Publishing lançou Hecate’s
Fountain. Grant tinha
originalmente concebido este como um registro dos rituais da New Isis
Lodge. No entanto, como é frequentemente o caso, o
trabalho tomou uma dinâmica própria e lançou adiante uma flor
muito diferente. O livro foi
ainda tecido em torno do trabalho da Lodge. No entanto, este trabalho
foi ilustrado como relatos anedóticos de funcionamentos específicos,
demonstrando em particular o que Grant designa como ‘tantra
tangencial’
pelo qual um trabalho mágico tem curiosos e às vezes alarmantes
efeitos colaterais em desacordo com o seu propósito aparente. Grant
rastreou estas anomalias para uma interface catalítica que ele
chamou de “Zona Malva”, existente entre os reinos do sonho e do
sono sem sonhos. Há movimentos, espiralados e turbilhonados na Zona
Malva que dão origem a espectros frágeis, sonhos, imagens que
entram na consciência e se vestem pela imaginação.
A
terceira Trilogia abre com Outer
Gateways , publicado pela
Skoob em 1994. Este livro continuou e ampliou alguns dos temas do
Hecate’s Fountain.
Continha um longo relato das vertentes diversas de O Livro da Lei,
explorou o trabalho de Crowley em relação ao Sunyavada,
e teve algumas coisas notáveis a dizer sobre o potencial
criativo da gematria:
Uma percepção, um
conceito, ou um número – qualquer objeto
de fato – não tem nenhuma relação real com qualquer outra
percepção, conceito ou número. A relação só existe na
consciência do observador, a consciência que é o fundo sobre o
qual todos os objetos aparecem como imagens em uma tela. Não há
associação de idéias, nenhuma correspondências de qualquer
natureza, entre os números ou as idéias que eles representam,
exceto na consciência
do sujeito delas, porque nenhuma coisa existe como uma entidade
objetiva.
As implicações dessas
considerações não são geralmente reconhecidas, embora sejam de
grande importância. Os números podem significar para o cabalista
precisamente o que ele deseja que eles significam no âmbito do seu
universo mágico. Eles têm uma existência relativa, mas nenhuma
realidade objetiva.
Os números podem,
portanto, serem utilizados como um meio mágico de invocar energias
específicas latentes na consciência do magista. Em outras palavras,
os números podem ser vistos como entidades que são identidades
objetivas aparentes, ou personalidades, pois eles são um com o poder
objetivo do magista.
O poder dos números
não está nos números em si, mas sempre e somente no magista. Se
sua mente está muito bem provida com números mágicos (ou seja,
números significativos para ele) não há limite, quantitativamente
falando, para os mundos que ele pode estruturar a partir energias
deles (shaktis). Esta
é a base da ciência dos números, e os fundamentos da numerologia
como uma arte criativa distinta de um medidor meramente
interpretativo das probabilidades fenomenais. O magista não tem como
objetivo prever o futuro – o que implicaria que aquilo já existiu
– e sim muito mais criá-lo de acordo com as leis de seu universo
mágico.
Gematria criativa é,
portanto, a ciência e a arte de projetar outros mundos ou ordens de
seres, em harmonia com as vibrações simbolizadas por números, que
tornam as vibrações diretamente acessível.
Gematria
é usada ao longo trabalho de Grant para sustentar um insight que já
existe, em vez de para deduzir um insight a partir de uma relação
gematrica percebida.
No
entanto, o núcleo do livro foi, sem dúvida, The Wisdom of S'lba
e os vários capítulos de análise que foram anexados. S'lba
é uma bela, altamente carregada e rica transmissão recebida durante
muitos anos por Kenneth Grant desde o final dos anos 30, a maior
parte dela foi reificada durante os anos da New Isis Lodge.
Há
uma boa dose de incompreensão sobre a natureza das transmissões.
Não é um caso de simplesmente tomar o ditame de uma entidade
desencarnada. O contato com o que é referido como os planos internos
é muito mais complexo e mais sutil do que isso. Tomemos por exemplo
a seguinte nota introdutória de Grant:
As
séries de versos intitulado coletivamente como Wisdom
of S’lba ...
não foram escritas em um determinado momento ou lugar, embora o
estado de consciência em que foram recebidos fossem invariavelmente
o mesmo. O processo foi iniciado já no ano de 1939 quando a Visão
de Aossic se manifestou pela primeira vez na forma descrita no
Outside the
Circles of Time(capítulo
8).
A
visão se desenrolava esporadicamente ao longo do tempo de associação
de Aossic com Aleister Crowley e Austin Osman Spare. Mas o aspecto
dinâmico do Trabalho, isto é, a integração da Visão em um todo
coerente, ocorreu durante o período de existência da New
Isis Lodge .
Em
uma entrevista com a Skoob publicada pouco antes de Outer
Gateways fosse liberado, respondendo a uma pergunta
sobre S'lba, Grant disse: “Isto foi ‘destilado’,
por um processo prolongado que se estendeu por muitos anos, desde os
intensivos Rituais realizados na New Isis Lodge entre
1955-1962”.
Como
mencionado acima, Grant estabeleceu pela primeira vez em O
Renascer da Magia sua tese de que
houve sugestivas analogias entre os elementos do panteão de
Lovecraft e aspectos da obra de Crowley. Há uma passagem em Outer
Gateways que coloca a função
destes e outras ‘deidades’
similares em uma luz muito diferente:
... Como outros
registros de inclassificáveis fases da história da Terra, o
Culto de Cthulhu sintetiza o subconsciente e as forças externas à
consciência terrestre. Pode-se dizer de passagem que a verdadeira
criatividade só pode ocorrer quando essas forças são invocadas
para inundar com sua luz a rede mágica da mente. Para fins de
explicação a mente pode ser encarada como dividida em três salas,
o edifício que as contém sendo o único princípio real ou
permanente. Estas salas são:
1)
Subconsciência, o estado de sonho;
2)
Consciência mundana, o estado de vigília;
3)
Consciência transcendental, velado em não-iniciado pelo estado de
sono.
Os compartimentos são
ainda concebidos como estando conectados com a casa que os contém,
por uma série de conduites ou túneis. A casa representa a
consciência trans-terrestre. As forças invocadas – Cthulhu,
Yog-Sothoth, Azathoth, etc – são então entendidas, não como
entidades malignas ou destrutivas, mas como as energias dinâmicas da
consciência, as funções das quais são para afastar a desilusão
de existência separada (as salas da nossa ilustração).
O
próximo volume, Beyond
the Mauve Zone,
foi lançado pela Starfire
Publishing
em 1999. É, como o próprio nome sugere, uma consideração mais
profunda da região entre o sono sem sonhos e o sonhar que fecunda a
imaginação e, em particular uma consideração de vários métodos
de acesso à Zona Malva. Há três capítulos sobre o Rito Kaula da
Serpente de Fogo, dando muito mais material ao comentário Kaula
inicial obtido a partir de David Curwen. Há também uma análise
prolongada do Liber
Pennae Praenumbra
recebido por Soror Andahadna, e um registro do trabalho do autor
sérvio Mihajlovic Zivorad Slavinski.
O
volume final das Trilogias, The
Ninth Arch,
foi lançado pela Starfire
Publishing
em 2002. Ele consistiu de um comentário versículo por versículo
sobre uma transmissão recebida no decorrer do funcionamento da New
Isis Lodge,
Liber
OKBISh, ‘O
Livro da Aranha’.
Esta transmissão começou durante um trabalho mágico de Qulielfi, o
29° Túnel de Set, por volta de 1952. A medium principal para as
transmissões era uma sacerdotisa conhecida como Soror Arim. Ela
aparece no romance de Grant Against
the Light como
Margaret Leesing. Ela não era o único medium para as transmissões,
mas ela jogou o papel mais importante e coordenou o trabalho de
várias sacerdotisas da Lodge.
O
Livro da Aranha é essencialmente uma
coleção de oráculos enigmáticos que foram recebidos ao longo de
vários anos, e estavam em retrospectiva organizados em 29 capítulos,
cada um de 29 versos; alguns dos versos não foram ouvidos, ou foram
perdidos, mas isso é o padrão básico. Um par de anos após a
transmissão inicial ser recebida, a Corrente mais uma vez tornou-se
ativa. Esta transmissão subsequente proporcionou um menor número de
versos, e foi orgaizado em 3 capítulos adicionais, novamente de 29
versos cada.
Transmissões
não são uma questão de estabelecer algum tipo de contato de rádio
com uma entidade desencarnada e transcrever o que ela tem a dizer.
Uma transmissão pode ser através de qualquer dos sentidos. Muitas
vezes ela será intuída ou sutilmente apreendida, com a imaginação
como catalisador. A imaginação não é mero capricho ou fantasia,
mas sim a bagagem que a palavra tem acumulado em tempos modernos. É
cósmica, embora existam áreas individuais de consciência da
imaginação, e é nessas áreas em torno do indivíduo de que ele ou
ela está mais diretamente consciente, que nós consideramos como
‘nossa’
imaginação. A verdade é,
porém, que não é nossa, mas uma área comum ou cósmica – um
continuum, o local de alcance em que somos mais imediatamente
conscientes.
A
Transmissão assume muitas formas. É um fluxo de inspiração para
as áreas mais pessoais de imaginação, e, muitas vezes, tornam-se
trajadas em formas extraídas da subconsciência pessoal. Nós vemos
isso na obra de Lovecraft por exemplo, muito da inspiração ocorrida
através de sonho, e expressada através de imagens tiradas a partir
da leitura extensiva e devaneios da infância de Lovecraft. Como a
luz é refratada através da sua passagem através de um prisma ou um
pedaço de vidro colorido, ou como o sol ajustado através da matéria
atmosférica produz um concurso de cores gloriosas e agitadas, assim
a transmissão de uma Corrente será colorida pelas áreas pessoais
de imaginação através do qual ela passa.
O vento, por exemplo, somente se torna evidente nas folhas agitadas
da árvore por meio do qual ele se move, os perfumes os quais ele
agita, a pele contra a qual ele roça, as formas nas quais ele
redemoinha a areia do deserto.
Na
época dos trabalhos da New
Isis Lodge que
atrairam e então incubaram esta Corrente comunicada, a principal
Sacerdotisa, Margaret Leesing, e outros foram apanhados em ficção
ocultista, e em dois livros em particular – Dope
por Sax
Rohmer e The
Beetle por
Richard Marsh. A este tempo, New Isis Lodge tinha desenvolvido uma
técnica ritual mágica que envolveu a dramatização da ficção.
Como Kenneth Grant descreve em The
Ninth Arch:
Como
já mencionado na Introdução Geral deste livro, os ritualistas da
New
Isis Lodge
utilizaram certos romances e histórias como outros magos podem usar
pinturas ou composições musicais para afetar perichoresis
e encontros astrais. Eles entravam em um conto como eles podiam
entrar em uma determinada imagem, uma cena, um deserto, uma sala de
visitas abarrotada, ou outra jurisdição. Aplicado ao romance, o
processo se desenvolve dramaticamente como uma experiência cinética
vívida que se torna assustadoramente oracular. Nós usamos,
principalmente, o romance de Richard Marsh The
Beetle,
e ‘A
Tale of Chinatown’
ou
Dope
de
Sax
Rohmer, por nenhuma outra razão senão porque a Vidente chefe tinha
lido recentemente estes escritos, e porque outros membros da Loja
também estavam familiarizados com eles. O conto de Marsh, em
particular, foi escolhido porque continha o único registro publicado
conhecido do presente autor de Children
of Isis,
e, portanto, parecia en
rapport
com
a Wisdom
of S’lba
e com os oráculos de OKBISh.
Estas
são as circunstâncias, o prisma, o vidro colorido, através dos
quais os versículos do Livro
do Aranha são
expressos. Existem referências, por exemplo, de personagens como
Shöa, a Mulher Maligna; Sin Sin Wa, o Chinês vilão e sábio;
Tling-a-Ling, seu corvo de estimação e familiar; Tûk Sam, seu
venerado Ancestral; todos esses personagens são extraídos do livro
Dope
de Sax Rohmer. Há referências a Limehouse,
a Ho-Nan, a Chandu, ao Rio Amarelo, às trilhas de papoula, que são
locais desenhados também de Dope.
Há a languidez do sonho, do devaneio, as imagens parecem flutuar,
mudar, se unir – emergir, tremer, cair para trás. Há também
referências a personagens extraídos de outras histórias, como
Helen Vaughan e Sra.Beaumont da história de Arthur Machen, The
Great God Pan.
Existem máscaras, roupas e não têm intenção de apontar para
profundidades de significado inerente às histórias de que esses
personagens são desenhados. Há referências a cenas de novelas,
como The Brood of the Witch Queen
de Sax Rohmer, ou personagens de histórias de Lovecraft, como Joseph
Curwen em The Case of Charles Dexter Ward.
Há
muito nos versos de O Livro do Aranha
que expõe sobre a vida de Kenneth
Grant, e parece, por vezes, como se a Corrente comunicada fosse
direcionada principalmente para ele. Somos todos nós expressando uma
Corrente comunicada de energia mágica. Nenhum de nós pode expressar
uma verdade absoluta, mas transmitir a verdade como a vemos. O
trabalho de um adepto é sempre em um sentido intrínseco a ele ou
ela. A luz é uma, mas as lâmpadas são muitas, e cada lâmpada
transmite aquela luz de sua própria maneira.
Personagens
não-ficcionais também são tecidos nesta Rede da Aranha. No
decorrer do Livro
da Aranha,
tornamo-nos conscientes de uma doutrina de avatares, em que várias
pessoas vivem ao mesmo tempo, cada um sendo personificações de uma
entidade. Como qualquer um que tenha lido Against
the Light saberá,
isso é relativo a uma bruxa chamada Awryd, uma antepassada de Grant,
que foi executada por bruxaria no século XVI. Awryd retorna, sob a
forma de Margaret Leesing, Soror Arim, a vidente principal, e antes
dela, Yelda Paterson, a bruxa-mentora de Spare. No entanto, a
situação se torna mais complexa quando várias pessoas vivem ao
mesmo tempo, são cada qual avatares de Awryd – por exemplo,
Margaret Leesing e Clanda Fane, ambas contemporâneas de Grant na New
Isis Lodge.
Alguns dos avatares são personagens tirados da ficção, como Helen
Vaughan de The
Great God Pan de
Machen, ou Besza Loriel do romance de Grant The
Stellar Lode.
Há
referências a David Curwen, um contemporâneo de Grant na New
Isis Lodge que tinha um forte interesse
em alquimia; na Teia da Aranha ele é elencado como um avatar de
Joseph Curwen, o alquimista cuja escura presença paira em uma das
melhores histórias de Lovecraft, O Caso
de Charles Dexter Ward.
Seguindo esta
breve consideração das Trilogias Tifonianas, o que é que constitui
a Tradição Tifoniana que é central para a obra de Grant?
‘Tifoniana’
não é um rótulo preciso,
como é visível em uma consideração do verbete no Glossário para
Typhon, Draco, Ta-Urt e tópicos relacionados através das Trilogias
Tifonianas; há uma grande quantidade de diversidade. Embora a ênfase
tenha mudado durante o período de trinta anos entre as publicações
da primeira e os volumes finais, nenhuma desses verbetes por si só
são definições da Tradição Tifoniana. Em vez disso, cada um
deles articula uma faceta disto, não importa o quão importante
essas facetas individuais podem, à primeira vista, parecerem. É
mais proveitoso, portanto, não olhar para uma definição
rigidamente aderida – sem dúvida ou debate, mas permitir que a
intuição detecte uma coerência e continuidade subjacente em
execução ao longo destas passagens.
Se
há uma coisa que poderia ser dito para caracterizar a Tradição
Tifoniana então é comungar com o que alguns têm chamado de
‘Exterior’,
se isso for considerado como os confins do espaço para além do
terrestre, ou as varreduras de consciência além da humana. Neste
contexto, ‘O
Exterior’
sempre pode ser somente um termo
relativo, uma vez que a partir da perspectiva do continuum da
consciência não existe dentro ou fora.
Em
Beyond
the Mauve Zone
Grant analisa o texto Maatiano transmitido Liber
Pennæ Prænumbra
a partir de uma perspectiva Tifoniana, e faz a seguinte observação:
É
neste ponto que a divergência aparece entre o Caminho de Aiwass-Lam
e aquele de N’Aton
que prefigura uma forma de realização futura da consciência humana
– em outras palavras, nós mesmos como devemos aparecer em algum
tempo futuro. Como deve ser evidente por esta altura, nós refutamos
este postulado em favor da noção de que a consciência em sua fase
humana é um fenômeno transitório de modo geral, um mero flash na
imensidão do Espaço-Tempo (Nu-Isis). Transmissões tais como as
Estâncias de Dzyan,
Liber AL,
o Necronomicon,
e, mantemos, o próprio Liber
Pennæ Prænumbra nesta
posição, não
dão suporte à noção de uma identificável máscara humana para a
consciência se perpetuar indefinidamente. Mas todos cuja vontade
seja efetuar – como a frase de Nema diz – “o
salto mutacional em ser uma nova espécie”
devem estar
preparados para abandonar o conceito de consciência ‘humana’
com todas as
suas dualisticas implícitas.
Essas
profundezas da consciência são muito mais profundas e mais amplas
do que a consciência humana, que como indicada na citação acima
está transitória e relativamente superficial. A Gnose Tifoniana
está interessada com o encontro e exploração dessas profundezas.
Como Crowley comentou em um post-scriptum ao Capítulo 30 de Magick
without Tears:
Eu pensei nisso como um
bom plano para colocar a minha fundamental posição por si só em um
post-scriptum; para enquadrá-la. Minha observação do Universo me
convence de que há seres de inteligência e poder de uma qualidade
muito maior do que qualquer coisa que possamos conceber como humano;
que eles não são necessariamente baseados nas estruturas cerebrais
e nervosas que conhecemos, e que a primeira e única chance para a
humanidade avançar como um todo é os indivíduos fazerem contato
com tais Seres.
Era
convicção de Crowley de que o Trabalho do Cairo de 1904, que levou
ao contato com Aiwaz e à recepção de O
Livro da Lei,
foi o primeiro de uma série de comunicações. Depois de afirmar sua
crença em The
Confessions
que não havia mais nenhuma razão a
priori
para duvidar da existência de inteligência desencarnada, ele
afirma:
O
caminho é, portanto, claro para mim vir a frente e afirmar
positivamente que eu tenha aberto a comunicação com uma tal
inteligência, ou melhor, que eu tenha sido selecionado por ele para
receber a primeira mensagem de uma nova ordem de seres.
De
fato tem havido mais mensagens ou comunicações. O Trabalho do Cairo
de 1904 foi seguido, sete anos mais tarde, pelo Trabalho de Abuldiz,
e sete anos depois pelo Trabalho de Amalantrah. Todos os três
trabalhos foram caracterizados por contato com inteligencias
præter-humanas
que transmitem informação. Havia também uma série de textos
transmitidos conhecidos como Os
Livros
Sagrados,
como por exemplo os sigilos e expressões gnômicas
que constituem o Liber
231.
Tampouco
tinha esse contato sido limitado a Crowley. Isto tinha continuado
além de sua morte com o Liber
OKBISh e
The Wisdom
of S'lba,
ambos reificados – como delineado acima – durante o período de
atividade de New
Isis Lodge.
Sem dúvida, tem havido outras transmissões, e haverão mais no
futuro. Estas são irrupções dos estratos mais profundos da
consciência em percepção.
Bem
como suas Trilogias, Grant também publicou vários volumes de poesia
e uma série de contos e novelas. 1963 viu a publicação de seu
primeiro volume de poesia, Black
to Black and other poems.
Uma coleção intensa e comovente de poemas, este foi seguido em 1970
pelo The
Gull’s Beak and other poems.
Um terceiro volume foi lançado pela Starfire
Publishing em
2005, Convolvulus
and other poems;
este incluiu os dois volumes anteriores e acrescentou uma terceira
coletânea, inédita, Convolvulus:
Poems of Love and the Other Darkness.
Este volume coletado incluiu esboços de Austin Osman Spare, alguns
dos quais haviam sido especialmente desenhado para Grant por Spare.
Grant
começou a escrever contos ainda jovem, e escreveu seu primeiro
romance no início dos anos 50, Grist
to Whose Mill?
(em breve será publicado pela primeira vez). Outros se seguiram, e
foram publicados a partir de 1996. A maioria desses romances foi
escrita durante o período de New Isis Lodge, e revisado antes da
publicação. Eles caracterizam personagens, muitos dos quais foram
baseados em um maior ou menor grau nos membros da Lodge. Grant lançou
uma luz sobre isso em suas notas de sobrecapa para o segundo volume
da série, Snakewand
& the Darker Strain:
Essas
histórias, e outros contos nesta série, foram escritos na sequência
de rituais realizados ao longo de um período de sete anos da New
Isis Lodge. Muitos
eram os magistas e médiuns que passaram pela Lodge, e alguns deles
aparecem na série de novelas. Suas personalidades mundanas não
podem ter aparecido incomum para a observação casual, mas quando
alongadas e siderealisedas pelas perspectivas únicas que seus papéis
mágicos criados por eles, eles alcançaram uma apoteose, uma
epifania. Este fenômeno extraordinário demonstrou as alturas e as
profundezas que a natureza humana é capaz de escalar e alcançar
plenamente, no frenesi delirante inspirado por sua arte. Estes contos
são igualmente orientados para o outro lado de uma realidade
raramente vislumbrada fora de um Círculo carregado magicamente.
Apesar
de reter uma devoção a Crowley, Spare, e muitos outros místicos e
ocultistas, cujo trabalho influenciou toda a sua vida, Grant nunca
foi um seguidor, mas, pelo contrário, criou o seu próprio caminho a
partir de uma série de influências, transformado através do
cadinho de sua experiência místico e mágica. Ele tinha agudamente
a percepção do princípio do parampara
ou linhagem espiritual, pelo que é da responsabilidade de um
iniciado desenvolver o trabalho de seu predecessor, o predecessor,
neste caso, sendo Crowley. No curso desse desenvolvimento, novas vias
de abordagem são abertas, enquanto outras são encontradas para ser
talvez agora redundante. Desta forma, um corpo de trabalho é uma
coisa viva, desenvolvido por sucessivas gerações de iniciados.
A
obra de Kenneth Grant foi rica, diversificada e eclética, tecida de
muitas vertentes e destilada a partir de muitas fontes. No entanto,
sua principal influência foi Crowley, e Thelema é o cerne de seu
trabalho. Na esteira de sua morte, a tarefa imediata é garantir que
toda a sua obra publicada seja mais uma vez impressa e prontamente
disponível, e continuar a explicação dos princípios que subjazem
a esse trabalho. Além disso, todavia, o corpo de trabalho que ele
desenvolveu irá, por sua vez, ser continuado, trabalhado e
reconstruído por aqueles que vem depois
dele. Esta é o maior testemunho de que qualquer um de nós pode
esperar.
Eu
gostaria de encerrar este levantamento preliminar com uma passagem da
Introdução a Outside
the Circles of Time.
Aqui, Grant deu uma visão sobre os objetivos de seu trabalho, a
passagem em questão é sucinta e lindamente expressa:
Um
último ponto é relevante aqui, e digo isso sem desculpas. Não é
meu propósito tentar provar coisa alguma, o meu objetivo é
construir um espelho mágico capaz de expressar algumas das imagens
menos elusivas vistas como sombras de um æon
futuro. Isso eu faço por meio de sugestão, evocação, e por aquele
oblíquo ‘conceito
de Intervalo Interior’
que
Austin Spare definiu como ‘Nada-Nada’.
Quando
isto é compreendido, a mente do leitor torna-se receptiva ao influxo
de certos conceitos que podem, se recebidos não falseadamente,
fertilizar as dimensões desconhecidas de sua consciência. Para
atingir este objetivo uma nova forma de comunicação tem de ser
desenvolvida; a linguagem ela mesma tem que renascer, revivida, e
dada a um nova direção e um novo momentum. A imagem realmente
criativa é nascida da imaginação
criativa,
e esta é – em última análise, um processo irracional que
transcende a compreensão da lógica humana.
É bem conhecido que os
cientistas e matemáticos tem desenvolvido uma linguagem críptica,
uma linguagem tão elusiva, tão fugaz, e ainda assim tão
essencialmente cósmica que ela forma um modo quase cabalístico de
comunicação, muitas vezes mal interpretada por seus próprios
iniciadores! Nossa posição não é completamente desesperadora,
pois estamos lidando principalmente com o complexo corpo-mente em sua
relação com o universo, e o aspecto corpóreo está profundamente
enraizado no solo da senciência.
Nossas
mentes não podem entender, mas nas camadas mais profundas do
subconsciente onde a humanidade compartilha uma cama comum, há o
reconhecimento imediato. Similarmente, um magista elabora sua
cerimônia em harmonia com as forças que ele deseja invocar, de modo
que um autor deve prestar atenção considerável à criação de uma
atmosfera que seja adequado para suas operações. As palavras são
seus instrumentos mágicos, e suas vibrações não devem produzir
meramente um ruído arbitrário, mas uma sinfonia elaborada de
reverberações tonais que desencadeiam uma série de ecos cada vez
mais profundos na consciência de seus leitores. Não se pode
supra-enfatizar ou superestimar a importância dessa forma sutil de
alquimia, pois é nas nuances,
e não necessariamente nos significados racionais das palavras e
números empregados, que a magick reside. Além disso, é muito
frequente na sugestão de certas palavras não
utilizadas, ainda que indicadas ou empregadas por outras palavras que
não tenham relação direta com elas, que produzem as definições
mais precisas. O edifício de uma realidade-construção, às vezes
pode ser erigido apenas por uma arquitetura de ausência, segundo a
qual o edifício real é ao mesmo tempo revelado e ocultado por uma
estrutura alienígena assombrado por probabilidades. Estes são
legião, e é a faculdade criativa do leitor – acordado e ativo –
que podem povoar a casa com almas. Então, este livro pode
significar muitas coisas para muitos leitores, e coisas diferentes
para todos; mas a nenhum deles pode significar absolutamente nada,
pois a casa é construída de tal maneira que nenhum eco pode ser
perdido.
Notas de Rodapé:
©Tradução
de Lilia Palmeira - 2012
Revisão
de Cláudio César de Carvalho
Publicado
com permissão do autor
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