Esquerda: Kenneth Grant, como ele se parecia naquela época em que o autor se correspondia e como o conheceu; Direita: Matthew Stevens Levi, cerca de um ano depois que ele conheceu o Sr. Grant, no Templo da Juventude Psíkica ao modo Tibetano.
Então eu escrevi para ele, a/c de seu editor, copiando um truque de Rimbaud em fingir ser três anos mais velho do que eu era procurando reivindicar o meu lugar entre os aspirantes (ah, a arrogância da juventude!). Para minha surpresa e deleite, ele respondeu, sempre escrevendo muito formalmente ("Querido Sr. Stevens", e assinado "Sinceramente, K. Grant"), mas ainda se dando ao trabalho de responder minhas várias perguntas.
Ele também foi bondoso o suficiente para me colocar em contato com Frank Letchford, aquele outro grande amigo & defensor do primeiro-e-único Austin Osman Spare. Eventualmente, eu encontrei com ele, quase que por acidente – por estar no "lugar certo e na hora certa" quando um amigo meu que era livreiro tinha razões para se encontrar com ele - e, embora no começo ele parecesse ligeiramente não muito divertido com a minha presença, e o fato de que eu tinha deturpado minha idade (aos 15 eu era, naturalmente, um menor e morava em casa com meus pais – nenhum pormenor é totalmente perdido em um homem que tinha assiduamente evitado controvérsias ou divulgação pessoal em espaço público ainda que ao mesmo tempo escrevesse prolificamente sobre as Artes Negras e magick-sexual, como chefe de uma 'ordem secreta' dedicado à mesma). Ainda assim, depois de algum tempo a conversa aqueceu, e discutimos uma série de coisas – algumas das quais foram de interesse & surpresa genuínos, como vou tentar esboçar abaixo.
Eu realmente acredito que sua curiosidade levou a melhor sobre ele, e o fato de que eu tinha a mesma idade em que ele havia experimentado o primeiro dos seus ‘despertares mágicos’ não passou despercebido a ele, tampouco. A conversa terminou com ele recomendando-me aos meus estudos, tanto dentro como fora da escola, e que eu era bem-vindo a escrever de volta se eu ainda estivesse seriamente interessado em Crowley, magia, e a O.T.O. quando chegasse à maioridade legal aos 18 anos. Embora com o passar do tempo, jamais levei isso à ele (e, de fato, nunca fui membro de qualquer grupo que se autodenomine “Ordo Templi Orientis”, ou tais outros corpos), mantive amizades e me correspondi com vários dos principais Thelemitas britânicos ao longo dos anos. Além disso, a acessibilidade quase surpreendente de Kenneth Grant me fez mais tarde incentivar tanto a minha ex-esposa Mouse (ex-Psychic TV) quanto meu velho amigo Gavin Semple à escrever para Grant sobre suas diversas pesquisas, e ele não decepcionou desde então.
Aqui está o que eu me lembro da Frater Aossic, Kenneth Grant:
Ele gostava de Count Basie, e estava convencido de que seus ritmos ‘Saltitantes’ tocava chaves sonoras para tantras tangenciais no reverso da Árvore da Vida. Por outro lado, como tantos de sua geração, ele desprezava ao extremo praticamente TODAS as músicas ‘populares’ gravadas a partir dos anos 60, que ele caracterizou ao longo das linhas de ruído idiota que interferia com as vibrações mais elevadas, etc.
Apesar de sua dedicação contínua à vida & obra de Aleister Crowley, a promulgação da Lei de Thelema, alegação de Chefia da Ordem Externa de sua Própria Verdadeira Ordem, etc., ele confidenciou que realmente o seu “primeiro amor”, espiritualmente falando, foi Advaita Vedanta: esta levou-o a escrever uma série de artigos para jornais indianos, e por um tempo se tornar um seguidor do Sábio de Arunachala [tudo isso foi mais tarde recolhido e comentado em ‘At the Feet of the Guru’].
Ele realmente acreditava que H.P. Lovecraft foi "em alguma coisa" – o Necronomicon de fato existia no plano astral, por assim dizer, e que H.P.L. tinha apreendido isto através de seus sonhos, ou semelhante, mas foi incapaz de aceitar a “verdade” do que ele tinha discernido – que ele era em efeito um magista inconsciente.
Numa época em que "AMOOKOS” estava com todo o furor, e o Guru Sri Mahendranath estava sendo falado em todos zines de Ocultismo Inglês, ele me disse que não podia encontrar qualquer referência ao encontro de Crowley com um Lawrence Miles, ou aconselhar qualquer jovem buscador que “o Ocidente estava acabado” e que ele deveria ir à Índia para buscar a iluminação, em qualquer lugar nos jornais numerosos, agendas, ou livros indicados que cobrissem o momento em que ‘Dadaji’ foi dito ter sido visto com ele.
Ele havia recebido seus primeiros indícios de “uma Transmissão Oculta” aos 15 anos, quando havia recebido uma Transmissão da entidade S'lba - também a mesma idade em que ele se deparou com ‘Magick In Theory & Practice’ de Crowley na livraria em Charing Cross Road, que o levou, eventualmente, à escrever para A.C. a/c do editor (ele estava esperando que A.C. fosse capaz de lhe ensinar yoga!) Essas coisas ocorrem em ciclos, tenho certeza...
De profundo interesse era a afirmação de Grant que a revisão de Crowley do XIº O.T.O. (O grau da magia(k) sexual relacionado com o sexo anal/trabalho homossexual) foi de fato UM ERRO, e que a leitura de A Grande Besta de ‘per vas nefandum’ - “pelo caminho inominável” - estava incorreta, e que este estava na verdade se referindo ao intercurso ritual durante a menstruação, o tempo ‘impuro’ quando uma mulher era de ‘não uso’ (falando reprodutivamente). Esta insistência um tanto ousada e controversa de que A Grande Besta tinha realmente ENTENDIDO ERRADO onde uma de suas inovações sexo-mágica(k) se dizia respeito (provavelmente um caso de A.C. colocar pendor pessoal acima de qualquer simbolismo ou tradição “verdadeira”), e que através disto Grant abre as portas para uma integração de Thelema com o verdadeiro "Caminho da Mão Esquerda” do Tantra do Vama Marga.
E, por fim, em uma nota mais pessoal, em relação à minha idade, ele me incentivou a fazer o melhor sobre minha educação (ele parecia particularmente feliz que a minha escolaridade incluir Latim, Estudos Religiosos, e uma rodada generosa das Ciências - em suma, um clássico ensino Inglês de gramática – ele sentiu que isso daria exatamente o tipo de aterramento que um estudante sério de Magia necessita), e quando ele entendeu que o meu interesse pelo ocultismo foi me levando a uma certa quantidade de ostracismo social, até mesmo problemas com assédio moral na escola, ele recomendou-me o quarto poder da Esfinge: a de que, assim como Saber, Querer & Ousar, deve-se lembrar ainda quando Calar...
Finalmente, para encerrar, eu sei que uma imagem de Grant é muitas vezes pintada como autocrática, da ‘velha escola autoritária, que pode muito bem ter sido assim – várias pessoas me levaram a acreditar que ele era realmente mais fácil para começar se você NÃO FOSSE um membro de sua Ordem Tifoniana! – mas a coisa que me impressionou nele foi sua dedicação óbvia ao feminino dæmoníaco. Sua defesa da obra de Dion Fortune, e Marjorie Cameron (em uma época em que a maioria das pessoas, se estivessem cientes de TUDO dela, só pensava nela como a "viúva Jack Parsons"), e seu ativo encorajamento de sucessivas gerações de mulheres ocultistas fortes tais como Margaret Ingalls (‘Nema’), Janice Ayers & Jan Bailey, Mishlen Linden, Linda Falorio, Mary Hedger - assim como sua devoção ao longo da vida à sua esposa, a artista Steffi Grant, atestam isso .
A última ligação viva a Aleister Crowley, Gerald Gardner, Eugen Grosche, e Austin Osman Spare, seu legado ainda está para ser completamente avaliado e não veremos outro como ele novamente.
In Memoriam à Kenneth Grant, 1924-2011, agora ido à sua Maior Festa.
Nota de Rodapé:
[1] TOPY ou TOPYNA significa Thee Temple ov Psychick Youth: Irmandade fundada em 1985 que permaneceu em atividade até 2008. Vários membros de peso no mundo artístico participaram desta Irmandade, como PsychicTV, Coil, 93 Current e Genesis P Orridge onde usavam um sistema funcional para a desmitificação da Magick usando técnicas modernas e pagãs.
Matthew Levi Stevens© - 2011
Este artigo foi publicado na Chaosphere Magazine - Issue 3 - 2011
©Tradução de Cláudio César de Carvalho - 2011
Matthew Levi Stevens é escritor, pesquisador, artista e trabalha com livros raros.
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